Entrevista – Rosane Svartman e Paulo Halm: «Foi uma novela certa, no momento certo»

Prestes a estrear na SIC, Bom Sucesso é escrita por Rosane Svartman e Paulo Halm, que estiveram à conversa com o Quinto Canal para revelar um pouco mais sobre a história desta novela.


Protagonizada por Grazi Massafera e António Fagundes, Bom Sucesso estreou em julho de 2019, na Globo, e chega agora à SIC. Ambientada no Rio de Janeiro, a novela mostra a amizade de Paloma e Alberto e o mundo dos livros.

O que Bom Sucesso trouxe de novo à vossa trajetória como roteiristas?

ROSANE – É uma novela que amadureceu nossa parceria. Apesar do horário podemos tratar do um tema de um doente terminal, como protagonista, falando da vida, a importância de a viver plenamente. Foi a primeira vez, um desafio, e deu muito certo. Tivemos a felicidade da novela estar no lugar certo, na hora certa, dando uma mensagem de otimismo, valorização da vida. Certas coisas da vida que consideramos importantes no momento atual.

PAULO – Há muita brutalidade, estupidez, boçalidade, filosofia destrutiva do que acontece na sociedade, obedecendo a uma arquitetura de destruição dos valores da harmonia, cultura e arte. Na novela, os livros valorizam a cultura como um todo. As pessoas não têm o hábito e a cultura de ler. Tivemos reuniões com diversos grupos, pessoas de diversas classes, que sentiram a poesia e a beleza dos livros. Foi uma novela certa, no momento certo, pois foi contra a corrente. Trouxemos essa esperança, alívio durante um pequeno período de tempo, enquanto os capítulos eram exibidos.

A trama central de Bom Sucesso gira em torno da amizade improvável de Paloma e Alberto. O que vos motivou a criar esta história?

ROSANE – O ponto de partida foi a Paloma, uma mulher chefe de família, trabalhadora de dupla jornada, que não pôde seguir seus sonhos. Perguntamos se era possível ter planos que não fosse o massacre do dia-a-dia. Houve a ideia de que se ela achasse que fosse morrer iria jogar tudo para o alto e fazer as coisas de outra forma. Os outros personagens contribuíram para exacerbar as qualidades e defeitos dos protagonistas. Surge então o Alberto, alguém de outra idade, geração e classe social. Ele, pelo contrário, não sabe como viver seus últimos dias. Um ajuda o outro. Assim fizemos a história, trazendo vários temas, a família de cada um (ex: o pai dos filhos de Paloma, os livros na vida de Alberto…). Assim, a gente foi construindo toda a narrativa.

PAULO – É uma história de um encontro. Duas vontades que estavam sufocadas. Paloma teve oportunidade de acessar coisas que lhe estavam vedadas, com Alberto proporcionando isso. Já Paloma, ajudou ele abrindo um leque de afetos, dos quais ele era carente. Ela proporciona uma leveza e prazeres que Alberto não tinha acesso na sua redoma. Essa troca é o grande fermento da trama. No fundo é nosso trabalho. A gente oferece um universo fantasioso, com novas possibilidades e o espetador nos dá um retorno muito rico. Esse encontro geralmente é um amoroso, mas aqui é um encontro de almas. Uma descoberta de prazeres, alegrias, emoções, mas não sendo necessariamente na formação de um casal convencional.

«Bom Sucesso» | Os protagonistas Antonio Fagundes e Grazi Massafera

Totalmente Demais fez um enorme sucesso, alcançando audiências raramente vistas no horário em que foi exibida. Quando começaram a fazer Bom Sucesso sentiram a pressão de fazer uma novela que repetisse o êxito?

ROSANE – A pressão não é da novela fazer êxito, mas de que a novela fosse realizada. Entretanto fizemos, inclusive, várias histórias mas que não foram aprovadas. O mais importante é fazer uma novela de que a gente se orgulhe, contar uma boa história, com responsabilidade, com paixão. A gente quer que público curta, seja um sucesso, mas é uma obra aberta e não dá para prever. É um diálogo com a audiência.

PAULO – Existe necessidade da gente não se repetir, tentar encontrar novos mecanismos narrativos, de construção de personagens, coisas que não fizemos antes. Se vai dar certo não sabemos, mas torcemos para que o avião não tenha turbulência. Queremos que gostem do nosso trabalho, mas não existe fórmula de bolo ou oráculo que dizem que será funcional. É uma troca de quem escreve e assiste. Hoje, com as redes sociais, elas dão uma temperatura e um retorno gratificante. Apontam até coisas que a gente não está vendo, dá para ver que as piadas e as personagens funcionaram. Tem o momento que batem palmas ou vaiam, pelo relacionamento com as redes sociais. O desafio está em não repetir, buscar coisas novas, descobrir. Ao trazer muitos autores, cenas, livros, fomos descobrindo e usufruindo desses poemas e escritos.

A vossa novela faz merchandising social para a importância da literatura na sociedade. Porquanto pairar nos tempos atuais uma sensação generalizada de que o obscurantismo, a ignorância e o discurso de ódio estão a tomar lugar no mundo, como encaram a iniciativa de terem feito uma obra que alude à importância do conhecimento e ao respeito entre todos?

ROSANE – É uma novela que celebra, a cultura, os livros, grandes histórias, a vida. A Paloma ao ler os livros se imagina dentro das histórias e a gente procura mostrar a sensação que os livros nos dão. Proporcionam a fantasia, o escapismo e procuramos mostrar o poder da arte. Eles inspiram, trazem dialogo, refletem sobre o mundo, que celebra a vida dos grandes acontecimentos e também nas pessoas coisas.

PAULO – É natural que a obra aberta incorpore a política. Ela teve esse diálogo permanente com a sociedade, incluindo diversas coisas. Ela se tornou mais politizada do que inicialmente esperávamos. Acabou por ser a novela certa no momento certo, pelas piores razões. Agora que será exibida em Portugal, esperamos que também faça esse diálogo com o público.

Bom Sucesso foi exibida no ano passado, no canal Globo Portugal, e obteve boa repercussão e audiência. Qual a expetativa que têm com a chegada da novela à televisão aberta?

ROSANE – Fiquei muito feliz quando soube que ia ser exibida pela SIC, vista por um número maior de pessoas. Ando escrevendo alguns artigos com o Pedro Lopes, e temos descoberto muita coisas em comum. As origens, os pilares do melodrama.

PAULO – Ficamos contentes por ter uma segunda novela exibida em Portugal. Temos uma tradição de troca de saberes, cultura e é ótimo dar continuidade a isso. É bom ter o retorno do outro lado.


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As novelas brasileiras são transmitidas em Portugal desde 1977. Em que medida podem contribuir na aproximação do Brasil a Portugal?

ROSANE – A novela é da matriz da narrativa latino-americana. Mas agora, penso que existe uma tendência de crescimento do melodrama ao redor do mundo. Vemos isso com as novelas coreanas, indianas, turcas, polonesas… Entre o Brasil e Portugal, os dois países têm uma ligação cultural imensa que vai além da língua, o português. Isso fortalece a novela.

PAULO – As obras referenciadas de poetas portugueses ajudam a criar uma cumplicidade entre uma obra do Brasil e assistida em Portugal. Agora também há uma inversão, com muitos brasileiros morando em Portugal. O jeito de falar português tem mudado também. É bom registrar essa proximidade. Dos países onde Bom Sucesso está sendo exibida, o que mais vai perceber e se relacionar com as referências de literatura será Portugal.

Que mudanças acham que a pandemia trará num médio / longo prazo à produção e exibição de novelas?

ROSANE – Recentemente escrevi um artigo sobre isso. Com a pandemia as novelas foram produzidas e ficaram fechadas. Acredito que voltarão a ser abertas e será um trunfo na televisão diária. No seu livro, A Melhor Televisão do Mundo, José Roberto Filippelli, trata da exportação das novelas, mostra como foram criadas e adaptadas para todo o mundo. “Totalmente Demais” foi exibida em muitos de todo o mundo países, como os Emirados Árabes Unidos, Síria, África do Sul, Israel, Polônia, Alemanha… Foi adaptada e exibida em 100 capítulos em vários países. Acredito na importância da obra aberta e espero que volte a ser, de forma concomitante com a exibição e linear.

PAULO – Do ponto de vista meramente da produção, fazer uma novela fechada é mais econômico e rápido do que fazer a novela diária, com a série de riscos que isso pode acontecer. Já tivemos novela que o protagonista se acidentou. A natureza da novela tem essa questão da essência, entre a novela e o seu espetador. Acho até que é anterior à novela, vem do folhetim, que era lançado para o público letrado, que lia. Esse diálogo faz parte da própria narrativa, esperando que a pessoa reaja. A pessoa quer uma novidade, que retorne. Faz parte da natureza da criação essa flutuação, que o quotidiano e a realidade penetrem. Se hoje acontecer um acidente catastrófico, por exemplo, deve ser incorporado. As novelas exibidas já durante a pandemia fizeram isso (Amor de Mãe). Teve também especial que passou aqui durante a pandemia, do Jorge Furtado (Amor e Sorte), com a Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, que terminou com elas sendo vacinadas. Foi um final fantasioso por conta da época que estávamos.

Podem adiantar alguma coisa sobre projetos futuros?

ROSANE – Estou esperando os cinemas 3D reabrirem, para lançar filme. Aqui ainda não abriram por causa do óculos. Estou trabalhando em uma série musical, que se der certo será em janeiro. Mas tudo depende da pandemia.

PAULO – A sensação é como se o tempo tivesse parado. Não estanque, nem tão abrupto, nem calmo. Está parado, suspenso. Apresentei um projeto para a casa, a Globo, e estou tentando fazer um filme, que ainda não consegui por conta da burocracia estatal. Estou com expetativa da liberação desse dinheiro, mas não conto fazer com o atual governo. Não depende da pandemia, é algo mais chato. Enquanto isso vamos fazendo coisas. É da nossa natureza. Se a gente não fazer é como um atleta que não compete, fica pesado, sem musculatura. É um trabalho braçal, para fazer 6 capítulos por semana, muitos meses por ano… É mais do que mental, é um trabalho físico. Sem ele ficamos flácidos, por isso precisamos criar. Há sempre uma gaveta, onde podemos colocar e depois tirar.

 

Rúben Gomes

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