Arquivo Só Séries: «Marco Polo» (2014)

Embora tenha conquistado milhões de fãs em todo o mundo, a série acabou por não convencer os responsáveis da Netflix e foi considerado o primeiro grande fracasso do serviço, sendo cancelada com apenas duas temporadas. Esta semana recordamos por isso no Arquivo Só Séries a história de Marco Polo.

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(Artigo originalmente publicado a 06 de janeiro de 2015)

Para o primeiro Só Séries de 2015 achei importante apresentar uma das grandes novidades do mês passado, que tanta tinta tem feito correr. Aclamada por uns e criticada por muitos, Marco Polo é uma série do Netflix que tem suscitado muitas questões em relação às produções históricas.

Criada por John Fusco, que é também o produtor executivo ao lado de Dan Minahan, a série aborda a juventude do famoso explorador Marco Polo (Lorenzo Richelmy) e as suas aventuras na corte de Kublai Khan (Benedict Wong), durante o século XIII na China. Após ter sido abandonado pelo pai, Marco terá que descobrir uma forma de sobreviver na corte ao mesmo tempo procura voltar para casa. Tanto a Imperatriz Chabi (Joan Chen), como o príncipe herdeiro Jingim (Remy Hii) não aprovam a proximidade entre o Grande Khan e o latino e as suas suspeitas são também partilhadas por Ahmad (Mahesh Jadu), ministro das finanças, e Yusuf (Amr Waked), que não perdem uma oportunidade de colocar Polo numa prisão. Polo acaba por criar amizade com Hundred Eyes (Tom Wu), um monge cego que lhe vai ensinar Kung-Fu, com Byamba (Uli Latukefu), um dos filhos bastardos do Khan e que é um guerreiro exímio, com Khutulun (Claudia Kim), filha do primo de Khan Kaidu (Rick Yune), e com Kokachin (Zhu Zhu), a Princeza Azul da tribo Bayaut da Mongólia. Kublai Khan procura uma maneira de aumentar o seu território e conquistar toda a China mas tem pela frente Jia Sidao (Chin Han), o chanceler do Imperador Song que vai utilizar a sua irmã e concubina Mei Lin (Olivia Cheng) como espiã na corte de Khan.

marco polo

Em relação à história e à veracidade dos factos apresentados, não me posso prolongar muito pois não sou nenhuma perita em história asiática – apesar de gostar bastante da cultura chinesa. Mas ao fazer pesquisa para apresentar a série deparei-me com algumas incongruências a nível do que está documentado e do que é apresentado na série. The Travels of Marco Polo foi um livro escrito por Rustichello da Pisa, a quem Polo contou as suas aventuras quando após o seu regresso a Itália e o seu posterior enclausuramento. Muitos críticos afirmam que estes relatos não são verdadeiros e questionam até que ponto Polo esteve mesmo na China, pois não refere a Grande Muralha da China, nem refere personagens chinesas nem sequer tradições como o Pé de Lótus (alteração na forma do pé feita principalmente nas jovens de escalões sociais mais baixos). Contudo, historicamente a muralha da China só foi completa séculos após as aventuras de Polo. Não obstante, os produtores da série não quiseram deixar nada para trás e colocaram todas estas características culturais tanto do povo da Mongólia como do chinês. Inspirando-se nas declarações feitas nos livros, os criadores procuraram ao máximo apresentar a corte de Khan tal como era, mas ligeiras alterações foram feitas e não passaram despercebidas. No entanto, denota-se que tanto criadores como produtores deram demasiada atenção aos factos históricos e esqueceram-se de criar uma história para série ou pequenas histórias para as personagens. Elas são-nos apresentadas mas ficamos a saber muito pouco sobre o seu contexto. O próprio protagonista não tem uma história que nos faça cativar e muitas vezes deambula sem rumo.

O elenco da série está bem composto e apesar de não existirem interpretações que se distingam, é de louvar o esforço da produção em ter na série atores com ascendência asiática. O meu destaque vai para Benedict Wong, que interpreta o Grande Khan com toda a sua pujança e magnitude, e Tom Wu, o monge cego que vai ensinando alguns valores morais e atitudes ao jovem Polo, ao mesmo tempo que nos brinda com lutas brilhantemente coreografadas. O problema em relação ao elenco desta série é que ninguém – e quando digo ninguém não estou a exagerar – fala outra língua a não ser inglês. Não sei se foi estratégia da produção para poupar algum dinheiro – afinal de contas foi só segunda série mais cara de sempre – mas não existem diálogos a não ser em inglês e as poucas frases ditas em outras línguas nem sequer têm legendas. Confesso que isto me tira imenso o prazer de ver a série pois já que insistiram tanto na veracidade histórica, esqueceram-se do principal fator que distinguia as culturas antigamente – a língua.


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Onde Marco Polo realmente se destaca é nos cenários apresentados. Não existem efeitos computadorizados nem ecrãs verdes por detrás de uma cena – pelo menos em grande parte da série. A produção deslocou-se para países europeus e asiáticos à procura dos melhores cenários e a escolha foi muito bem-feita. Desde a corte, ao palácio e até mesmo às populações da Mongólia passando pelo palácio chinês, o espectador fica maravilhado com os detalhes nos cenários e a beleza das paisagens. Até mesmo o guarda-roupa está repleto de pormenores próprios da época e que diferenciam as várias culturas presentes na série. As poucas cenas de batalha estão bem-feitas e os combates um-a-um estão excecionalmente bem coreografados – achei um exagero existir uma luta com uma protagonista nua, por muito genial que isso possa parecer por escrito. De facto a nudez feminina é algo presente em todos os episódios da série e acaba por ser mostrada em exagero, como se os criadores procurassem utilizar a fórmula de Game of Thrones e aplicá-la aqui, procurando entreter o espectador com cenas de sexo na tentativa de abafar o facto de que carece de desenvolvimento pessoal das suas personagens.

O meu veredicto da série acaba por ser um misto de aspetos negativos e positivos. A verdade é que vi Marco Polo em três dias e fiquei fascinada por toda aquele frenesim da cultura da Mongólia e chinesa. Se colocarmos de parte a falta de histórias pessoais e alguns factos históricos distorcidos, Marco Polo acaba por ser aquilo para que realmente foi criado: um produto de entretenimento. E nesse aspeto, está bem conseguido.

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