Só Séries: Final agridoce de «Dexter»

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Se existe por aí alguém que ainda não tenha visto o final de Dexter e seja muito suscetível a possíveis spoilers, desaconselho desde já a leitura deste texto na parte final. Vou tentar não entrar em pormenores mas, para fazer uma análise digna àquele que foi o culminar de uma saga, será pertinente referir certos detalhes.

Dexter estreou na televisão americana em 2006, pelo canal Showtime, e prometia ser uma série que iria quebrar imensos tabus. E assim o fez. A crueldade humana foi pintada numa tela marcada essencialmente pela cor vermelha, a cor do sangue, e o horror e violência tinham um ar artístico.

Dexter não era uma pessoa normal: ficou órfão aos três anos e ter presenciado o assassinato da sua mãe assombrou-o para o resto da vida. Encontrado por Harry numa poça enorme de sangue, Dexter começa a desenvolver anos mais tarde um comportamento agressivo e um instinto matador. Harry, na altura polícia, ensina-lhe então um código de matança, um código que iria permitir a Dexter nunca matar inocentes. Desta forma, o seu dark passenger seria controlado e ficaria satisfeito ao executar as mortes segundo esse código. Tal como outros serial killers, Dexter guardava troféus dos seus assassinatos e mantinha uma vida dupla. Apesar de não ser uma pessoa emotiva, social e afetuosa, o protagonista conseguiu quase sempre manter a fechada de bom polícia, bom vizinho e bom irmão. Era na realidade com Debra que o lado emocional de Dexter mais vezes se revelava.

Dexter

A história era muito convincente e prometedora, acompanhada com um guião excecional que não se privava de imagens fortes, palavras menos próprias e cenas de teor sexual evidentes. As prestações dos atores foram sempre muito concordantes e melhoraram bastante com o passar do tempo. Michael C. Hall é um ator fenomenal e conseguiu sempre transmitir todas as peculiaridades da personalidade de Dexter. Esta série tinha tudo para dar certo, incluindo a banda sonora, cenário e fotografia e uma intro magnífica que trouxe ao de cima a importância que estes segmentos iniciais têm numa série, mas o final foi bastante agridoce.

Para já, desde a morte de Rita e do nascimento de Harrison, a personalidade de Dexter sofreu uma forte modificação. Até então a série não tinha qualquer espécie de falha ou lacuna evidente. A morte de Rita até foi bem aproveitada tendo sido utilizada como comparação à morte da mãe de Dexter. Este foi para mim um dos melhores momentos da série. A possibilidade de uma repetição da história, de um novo começo para Dexter não como simples assassino mas como mentor. Mas tal não aconteceu.

Ele continuou a cumprir o código e a perseguir os fantasmas que a justiça não conseguia apanhar. Posteriormente, debateu-se com a existência de Deus e do apocalipse. Foi para mim a melhor fase a nível de história e do guião e adorei que os criadores tenham aproveitado essa oportunidade para colocar mais uma vez toda a questão ética no código de Harry: até que ponto matar assassinos é eticamente correto? Quem é Dexter para escolher quem morre e quem vive? Esse tipo de questões que o próprio se começou a perguntar evidenciavam um amadurecimento da personagem, que não se limitava a seguir o código cegamente mas a questionar-se a si próprio. E quando Debra o vê em plenitude com o seu dark passenger foi a reviravolta na história. Aqui notou-se também outra situação que nos passava despercebida: Debra também amadureceu e começou a desenvolver sentimentos por Dexter que não conseguia controlar. Achei um bocado descabido mas ao mesmo tempo óbvio. Continuando, Debra descobre sobre a verdadeira identidade do seu irmão e é novamente criada uma grande questão para toda uma nova temporada. E foi a partir deste momento, em que se abriram imensas possibilidades, que o guião de Dexter ficou confuso, descuidado e desinteressante. Dexter estava na iminência de ir para a prisão caso Debra revelasse a sua identidade mas esta, focada no seu sentimento, resolve proteger e ajudá-lo, indo contra as suas próprias crenças e convicções. E a coisa até poderia ter corrido bem mas surgiu uma tal de Hannah McKay, também ela assassina e com um lado sombrio, pela qual Dexter ficou completamente vidrado. Falhou em matá-la quando a descobriu culpada dos seus crimes e decidiu protegê-la e ficar com ela. E desde então vimos um Dexter babado, desinteressante, desinteressado e muito amolecido. Esta última temporada incidiu precisamente nesse lado mais doce de Dexter: para já a sua preocupação com Debra, que se perdeu emocionalmente quando assassinou LaGuerta, e posteriormente a sua vontade de começar uma vida do zero com Hannah e o filho e ser finalmente uma pessoa normal com uma vida normal.

dexter

Acho importante que os criadores tenham abordado todos os lados emocionais de Dexter, o que nos mostra também todas as faces que um ser humano pode ter. Mas esta última fase do protagonista foi muito desinteressante e não cumpriu com as expectativas. É notável, sem dúvida, o momento em que o fantasma de Harry finalmente desparece da cabeça de Dexter, significando que o seu dark passanger estava finalmente desaparecido. Mas a sua obsessão em começar uma vida com Hannah privou-o de ver a realidade à sua volta e de perceber que o mundo em que vive não o permite esconder durante muito tempo. E isso foi crucial na escolha de matar o último vilão. Não o fez. Dexter finalmente conseguiu deixar nas mãos da polícia a capacidade de julgar aquele criminoso. Mas ao deixá-lo fugir ao seu código, à sua mesa, permitiu que este se vingasse. Da última vez que tal aconteceu a vítima acabou por ser Rita e nesta última temporada Dexter perdeu novamente alguém importante na sua vida. E esta perda dita o final de toda uma saga.

[Com possíveis spoilers!] Confesso que estou com um misto de sentimentos em relação ao final. Quando o vi a primeira vez não gostei. Achei muito desinteressante, sem nada de novo a acrescentar a não ser as constantes tentativas de fuga com Hannah. Mas ao ver outra vez o episódio consegui apanhar certos detalhes que mudaram um pouco o meu pensamento. Quando Dexter entra na cela onde o seu fugitivo se encontrava e perante as câmaras deixa o seu dark passenger surgir ao público percebe-se que tudo mudou. Ele não vai mais fingir ser uma pessoa normal. Como o próprio diz, tentou. E quando ele volta ao hospital e faz o que fez é simplesmente genial. A prestação é excecionalmente brilhante, o aceitar do seu destino e a perda patente no seu olhar é algo que muitos poucos atores conseguem transmitir. E quando Dexter caminha em direção à tempestade, apesar de ser o final mais esperado e o que possivelmente teria sido o mais digno, sabemos que todo o seu ser foi destruído e a capacidade de sentir emoções novamente foi fortemente abalada pela sua perda. E eis que depois surgem os minutos mais controversos de todo o final. Há quem não tenha gostado do final e pessoalmente não o achei digno de uma saga tão importante como esta. Mas após aqueles minutos que poderiam ter deixado completamente em aberto, numa perspetiva positiva, o final da série, eis que surge um Dexter totalmente diferente. E os segundos seguintes são na minha humilde opinião, o exemplo do quão genial foi a escrita em Dexter um dia: já não vimos um Dexter confiante com um olhar ameaçador mas intrigante e confiante ao mesmo tempo. Vimos sim um Dexter taciturno, sombrio e completamente envolto numa escuridão na mente e no coração, com um olhar pesado e distante.

Qual é a vossa opinião em relação ao tão aguardado final?

Inês Calhias

Licenciada em Ciências da Comunicação pela Escola Superior de Educação e Comunicação da Universidade do Algarve, desde cedo adquiri um enorme interesse por séries. Tento ver um pouco de tudo e apresentar aqui no Quinto Canal o que se passa no panorama televisivo.

1 Comment

  • O final foi morno, mas também não se podia esperar muito mais. A própria série, há muito, perdeu a essência da primeira temporada. Aliás, logo na 2ª season, com a tentativa de tornar a série menos pesada, para possibilitar a sua entrada no horário nobre da CBS, tornou-se blazé. O Trinity Killer foi uma autêntica lufada de ar fresco, mas, a partir da season seguinte, tornou-se num drama mexicano, novamente. A última temporada só valeu pelo drama da Debra porque, de resto, o Dexter deixou de ser Dexter há muito tempo. Final lixento, condizente com as últimas temporadas.

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