Entrevista – Raquel Palermo: «Há que tentar estar à altura e cumprir os critérios para ter qualidade internacional»
O Quinto Canal traz até si uma entrevista exclusiva com Raquel Palermo, autora da série A Lista, atualmente em exibição na plataforma OPTO da SIC.
A Lista é escrita por Raquel Palermo, produzida pela Coral Europa. Estreou a 24 de setembro, com episódios semanais lançados às sextas-feiras.
A Raquel estudou Jornalismo no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. O que a levou, em 2017, a ingressar no mestrado de Urbanismo Sustentável e Ordenamento do Território na Universidade Nova de Lisboa?
Foi uma grande mudança (risos). Trabalhei em jornalismo muitos anos antes de começar a escrever ficção. Trabalhei no Diário de Notícias, no Público. Depois sai para um site muito inovador na altura, o Imaterial TV, mas que acabou por fechar. Era um site de jornalismo, mas que já ia ter uma parte de criatividade… era bastante diferente na época, depois começamos a fazer uma série interativa que apresentámos à NBP, Casa da criação na altura.
O salto para o urbanismo foi porque às vezes tenho a sensação que é um trabalho interessante, para a formação da pessoa. É aquilo que nos ajuda a expressar e a encontrar o nosso caminho. Quando olho à volta e vejo as questões ambientais sinto essa necessidade. Aprendi imenso porque é uma sociedade sustentável. A gestão dos rios com foco no Tejo era o tema da minha tese.
Na sua vida profissional, a Raquel já escreveu filmes, livros, séries, novelas, peças de teatro, peças jornalísticas e artigos científicos. O que gostaria de ter oportunidade de fazer e ainda não fez?
Tanta coisa! A nível de escrita estou a trabalhar num livro infanto-juvenil novo. É um livro futurista. Estou a trabalhar nuns contos mais pesados que comecei a trabalhar no confinamento. São mais duros, é um projeto que já tenho uns 4 ou 5 escritos e queria terminar. Tenho também desenvolvido com uma amiga, a Sofia Bairrão, uma série transmedia, destinada aos 15 aos 18 anos, que já apresentámos em algumas ocasiões. É um trabalho que já nos acompanha há 1-2 anos. Ela ajudou-me n’A Lista e fizemos entrevistas a jovens de 17 a 20 anos, onde quisemos saber o que queriam ver na TV e online. Sentimos que há um hiato, que não se tem trabalhado muito nessa faixa etária. Queríamos algo mais pequeno, semelhante ao que já é feito em países nórdicos. A geração Z não acredita, por exemplo, nos triângulos amorosos como mostramos na TV. Perguntámos quais são os problemas das gerações, os lados pessoais, as inseguranças, da escola… e essa descoberta acabou por me inspirar para a história da Alice e do Tiago n’A Lista.
A Raquel é esposa de João Matos, também argumentista. Como lida no seu quotidiano com o facto de terem o mesmo ofício?
Lido bem porque eu e o João estamos juntos há muito tempo e trabalhamos juntos. Cada um tem os seus projetos. Complementamo-nos muito um ao outro.
Em 2015, Mulheres foi nomeada para o Emmy Internacional de Melhor Telenovela. Como guarda a experiência desse projeto?
Nesse projeto estive só no arranque, a definir a pesquisa porque havia a base original de outro país. A questão do alcoolismo, da violência doméstica… E trabalhei nos primeiros 12-15 guiões, salvo erro. Depois ficou a Eduarda Laia a escrever, pois fui escrever “Água de Mar” com a Vera Sacramento. Foi difícil e tive que escolher. Foi um trabalho interessante com o Jorge Queiroga e a Angela Suarez (consultora da Plural). Gostei muito desse início. Tive pena de não continuar.
A Lista é inspirada no filme The Big Chill, escrito e realizado por Lawrence Kasdan em 1983. O que a motivou a criar a série?
Eu trabalho num trabalho de escritora, de escrita de livro. Inspiro-me em autores, de relações de ideias. O meu método de trabalho de escrita/criação é inspirado em Philip Pullman, Orhan Pamuk, David Lodge… Além disso, estou constantemente a juntar ideias, livros, frames de filmes… É algo que faço nas minhas aulas de escrita com os meus alunos. É uma coleção pessoal que vou desenvolvendo ao longo do tempo.
Tinha um briefing da SIC para esta faixa etária e claro que quando pensamos nesta faixa há referências como The End of the Fucking World, 13 Reasons Why, Sex Education…
Pensei no outro projeto sobre esta faixa etária e usei essa informação e experiência de mestrado. Achei interessante tratar da questão do luto, pois estamos nesta fase de pandemia, de ansiedade, das pessoas perguntarem se devem ou não estar numa relação, e outras questões como a pornografia, questões de identidade e género. Como autora, queria trabalhar a tolerância, a aceitação do outro. Atualmente vemos como a sociedade está dividida. A inspiração d’A Lista surge como nos podemos juntar e encontrar algo de bom.
No The Big Chill inspiro-me no sentido da perda. Paranoid Park inspirou-me também na parte da morte, da culpa. Entraram por cima da fase de trabalho que tenho e juntaram-se com os temas.
Têm circulado pela Internet algumas comparações da série A Lista com outras séries contemporâneas cujos protagonistas têm a mesma faixa etária e histórias parecidas. De que modo abarca esses comentários?
Uma coisa é quando criamos uma história, outra é a história que é vista. Cada um traz a sua experiência pessoal. Exemplo disso, é Elite. Vi o começo, mas não me encheu as medidas. Isso significa de fato algumas coisas que aparecem n’A Lista.
Como está a ser o processo de escrita e produção da série A Lista?
Tem sido intenso e um grande desafio, porque para procurarmos que tenha uma estrutura de série internacional e obedeça às temporadas implica um esforço maior, quando se tem menos tempo. Há que tentar estar à altura e cumprir os critérios para ter qualidade internacional, com o ritmo superior ao de uma série de cá. Tem sido um trabalho muito próximo com o realizador, produtor e a produção e produção da Coral.
A ação de A Lista é despoletada pela morte de Patrícia, que junta os seus amigos mais próximos, aos quais incumbe do cumprimento de uma série de pedidos. De que forma o público se poderá sentir envolvido com as idiossincrasias de Alice, Micaela, Sérgio e Paulo?
Esta série está muito em cima das personagens e tentamos que fossem muito ricas e diferentes umas das outras. Trabalhamos com arquétipos e todos eles têm as suas questões e problemas (lado bom e mau), as coisas do dia-a-dia. Uma pessoa pode se identificar mais com uma e outros com outra. Tem também uma dose de realidade e vão se identificar.
O que acha das séries mais recentes produzidas em Portugal? A sua qualidade está ao nível do que se tem feito no estrangeiro ou ainda há um longo caminho a percorrer?
Tem sido feito um trabalho incrível pela SIC/OPTO e pela RTP. Os nossos orçamentos são muito inferiores aos da Europa e temos provado que temos muito talento na escrita, realização, som. Mas precisamos de investimento. É preciso dar o salto, formação. Há episódios em Espanha com orçamentos de uma série nossa inteira. É preciso realmente investir.
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