Entrevista – Roberto Birindelli: «Adoraria fazer parte de algum projeto em Portugal»

Com 57 anos e uma vasta carreira na representação, Roberto Birindelli é um dos mais conceituados atores da Rede Globo, e não só. Atualmente pode ser visto nas novelas Viver a Vida e Império, atualmente em exibição na SIC e Globo, respetivamente, e foi nesse âmbito que o Quinto Canal preparou para si mais uma entrevista exclusiva. Entre as memórias das gravações desses projetos, a par de novidades que serão lançadas em breve, leia de seguida a nossa conversa com o ator na íntegra.


Josúe (Novela Império, em exibição na Globo)

Em alguma palavras, como se define o Roberto Birindelli?

Um pai. Tive um generoso. Estou tentando ser um. Aprendendo com isso. Atento num espaço de emoção e sensibilidade.

Encontra-se presente no elenco de Nos Tempos do Imperador, novela que foi adiada devido à pandemia. O que nos pode já revelar sobre a produção e o ambiente das gravações?

Meu personagem General Solano Lopes aparece no primeiro capítulo da novela, onde os conflitos são apresentados, e deve retornar mais para frente. Tenho lido muito da história sobre a Guerra do Paraguai e suas versões, tendo em vista que cada país tem sua própria narrativa. Sigo o que estudei na escola, no Uruguai, e também os pontos de vista brasileiro e paraguaio, obviamente conflitantes.

Em relação à preparação, fiz treino de montaria e armas. Já gravei as cenas a cavalo, mas certamente haverá mais ao longo da novela. Mais adiante haverá batalhas. Pratiquei esgrima vários anos, isso não vai ser complicado. Estou tomando cuidados semelhantes ao da composição do Pepe em relação à linguagem. Buscamos palavras que possam ser compreendidas tanto em espanhol quanto em português.

A par da novela, encontra-se também presente no elenco da série Um Contra Todos. Como tem sido essa experiência?

Um Contra Todos é sem dúvida o trabalho que mais satisfação me deu. Pepe é um presente para um ator. Pensa na alegria de fazer parte disso. O trabalho evoluiu a cada temporada. No projeto original, Pepe era o antagonista que morreria no final da primeira temporada, mas foi ganhando espaço. A relação com Cadu foi ganhando camadas e significados que pudemos desenvolver mais e aproveitar, e chegamos na quarta temporada com muita coisa ainda pra acontecer entre eles. Tanto que a última cena antes do final é a decisão final de Cadu, e envolve Pepe.

Estes cinco anos de convivência foram incríveis, acho que foi um projeto para lá de especial para cada um dos envolvidos. Texto maravilhoso, nós fazíamos sugestões de desdobramentos e matizes, os autores estavam sempre por perto pra incorporar no texto, repensar. A direção detalhista, cuidada e parceira do Breno foi memorável. A caracterização e figurinos do Pepe, vou lembrar sempre!

Quais as principais diferenças que encontra entre a participação de uma novela e de uma série?

A novela tem raiz no melodrama, e você tem quase que o tempo cotidiano, um capítulo por dia. Nesse sentido, as séries se assemelham mais ao cinema. Metáforas, condensação do tempo da ação. Muito mais realistas que a novela. Você tem um texto muito mais cuidado e tempo para ensaiar, desenvolver cada cena e gravar de maneira detalhada. Uma série grava de seis a oito cenas por dia. Na novela, você grava 45 cenas por dia, em três ou quatro frentes de produção. É frenético.

Outra diferença importante: na série, assim como no cinema, você sabe de antemão toda a história do personagem, então prepara a curva dramática toda, as nuances, joga com os elementos. Na novela, você recebe os seis capítulos da semana e não sabe o que vai acontecer daí para a frente.

Gravar uma novela é sempre um ato de resistência. Pensa que um projeto de 180 capítulos de 45 minutos é mais ou menos (com diferente qualidade, obviamente) o conteúdo de 90 filmes. É muita coisa, muitas dificuldades, muita possibilidade de adaptar, de evoluir, de ir trabalhando o personagem ao longo do tempo, de ir acompanhando nas ruas as reações que seu personagem desperta.

Duas das novelas em que participou, Império e Viver a Vida, encontram-se atualmente em exibição em Portugal. Que memórias guarda de cada uma delas?

Em muitos momentos, se fosse um livro, Josué (personagem em Império) poderia ser até um dos possíveis narradores da história. O que não sabíamos no início da novela é a parceria que se formou com o Comendador, a partir de tantas histórias e andanças vivenciadas. Quando Aguinaldo mandou email perguntando se eu toparia fazer o Josué, quase nem acreditei. Já tinha trabalhado com Papinha (Rogério Gomes, diretor) em A Teia, com uma equipe maravilhosa que trabalha junto há muito tempo.

Me lembra a Casa de Cinema de Porto Alegre, onde todos se conhecem muito, quase uma grande família filmando. Sou novato mesmo. O sistema de produção, a velocidade, o ritmo da cena e da câmara, o tempo cénico, tudo é diferente. O fato de ser uma obra aberta e não saber toda a curva do personagem antes de começar a gravar, tudo é surpreendente. Foi uma experiência incrível. Em Viver a Vida fiz uma participação nos últimos capítulos. Um argentino que entraria na trama do Maradona, dono da pousada (Mário Paz) e faria par com Nanda Costa. Faz mais de dez anos disso. Somos amigos até hoje. Coincidência, estou indo passar umas semanas em Búzios, justamente com Mario Maradona.

José Alfredo ( Alexandre Nero ) e Josué ( Roberto Birindelli ).

Nasceu no Uruguai, mas mudou-se para o Brasil bastante jovem. Que memórias guarda desse país?

Em 1978, a situação em Montevidéu era crítica. Governo militar, sem perspectivas e um ambiente muito pouco livre ou acolhedor. Meus pais pensavam em mudar para Buenos Aires ou São Paulo. No fim, Porto Alegre foi a opção, em função das semelhanças culturais. Os primeiros anos no Brasil foram bem duros, até em questão de subsistência. Lembro de meu pai – empreendedor, trabalhando 16 horas por dia – derramando lágrimas sem saber como sustentar a família.

Eu estudava de manhã e trabalhava à tarde com ele. Depois de anos, com as coisas já funcionando, ríamos das piores passagens. Sofri muito na escola por não falar a língua. Depois, nos grupos de artistas, isso foi se diluindo. Cheguei sem saber falar uma palavra em português, mas tenho certa facilidade com línguas. No ano seguinte, meu “portunhol” já estava aceitável. Depois de 2 anos, havia apenas um leve sotaque. Uruguai tem raízes europeias, tanto de valores comportamentais, sociais, como culturais.

As referências no Brasil são mais norte-americanas. Pouco antes da pandemia, em janeiro, atuei em meu primeiro longa no Uruguai. “La teoria de los vidrios rotos” Aproveitei para ver amigos de infância, visitar minha antiga casa e a escola onde estudava. Revisitei espaços importantes na memória. Foi duro, forte, mas muito legal.

Como surgiu o gosto pela representação?

Comecei tendo aulas de pintura e desenho aos cinco anos, no Ateneu de Montevidéu. Mudei com meus pais aos 15 anos para Porto Alegre. Fiz faculdade de Arquitetura. Na faculdade tive um colega mímico, e comecei a trabalhar com ele. Me interessei também por dança moderna e contemporânea, e fazia aula direto.

Escrevi livros de poesia marginal nos anos 80. Depois em rodas de poesia dramatizada. Daí pro teatro foi um pulo. Em Porto Alegre surgiu o Cinema, e também curtas para passar na TV local. Em 2008, mudei para o Rio porque surgiram convites de atuar em cinema e TV. Transito entre essas áreas, e aplico muito o aprendizado de umas nas outras.

Ser ator sempre foi o seu objetivo profissional?

Pois é, começou cedo, e eu nem sabia. No final de uma sessão de trabalho, Eugênio Barba perguntava isso a cada ator: quando foi a picada do escorpião? Lembro em Montevidéu, eu tinha cinco ou seis anos, minha mãe me trazia da escola. Na esquina de casa vi um senhor bem velho chorando e travei. Aquilo não podia ser. Soltei da mão de minha mãe, parei na frente do senhor, e decidi que só sairia dali quando ele estivesse rindo. Minha mãe me puxando, e eu fazendo coisas engraçadas. Só parei depois de um grande sorriso. Continuo fazendo exatamente isso…

Comecei com dança e teatro, no final dos 90 comecei a atuar em cinema, e bem mais recente, na TV. Entre curtas e longas já se vão 50 filmes. Algumas séries e novelas, e poucos espetáculos de teatro, mas durante muito tempo, tal como o solo de Dario Fo, Il Primo Mirácolo, durante 21 anos. Viajei por 9 ou 10 países e apresentei em mais de 200 cidades. Foi uma experiência marcante, tantas pessoas, tantos lugares e idiossincrasias diferentes.

Devido à pandemia que o mundo atravessa, quais as maiores dificuldades que o setor dos atores e da cultura em geral terão pela frente?

Bem, a maior dificuldade ainda tem dois anos de mandato. Um governo que resolveu ser deliberadamente contra a cultura e suas manifestações.A classe artística também busca soluções online para apresentações, protocolos cada vez mais confiáveis de gravação. Não está sendo fácil. Estava em viagem por Porto, Lisboa, Manchester e Londres, nos festivais de cinema acompanhando o longa LOOP. Ia aproveitar umas pequenas férias, mas a situação piorou muito rápido na Europa. Adiantei a volta para o dia 19 de março e vim direto para a quarentena.

O que esse isolamento mais mostrou é que o que mais sinto falta é das pessoas. Acho que na volta desse confinamento as pessoas vão valorizar mais umas às outras. Assisto a séries e filmes, livros, arrumo a casa, troco tomadas, fiação, lavo e passo roupa – descobri que sou um desastre passando roupa. A grande mudança, pelo que posso perceber agora, é minha relação com o tempo. Isso vai mudar definitivamente pós quarentena. Entendo todas as necessidades, compromissos, expectativas, mas também entendo que meu tempo… é meu.

É cada vez mais frequente a participação de atores brasileiros em produções portugueses e vice-versa. O que acha desse intercâmbio realizado entre os dois países?

Acho maravilhoso. Trabalhei com atores portugueses em novelas. Guardo com muito carinho a parceria com Paulo Rocha. Nos anos 80, fiz teatro com um irmão que voltou a morar em Lisboa, Miguel Mendes. Conheci a grande atriz Maria do Céu Guerra, em A Barraca. Fiz novela com o texto e o olhar sempre atento de Joana Jorge. Acho que esse intercâmbio se fortalecerá cada vez mais.

Com diversas personalidades brasileiras a mostrarem publicamente o seu fascínio por Portugal, alguma vez pensou em participar numa produção realizada no nosso país, ou até mesmo viver por cá?

Adoraria poder fazer parte de algum projeto em Portugal! Estive recentemente em Lisboa e Porto, participando de festivais de cinema e adorei a efervescência e o ambiente. Faço toda quarta-feira uma Live sobre vinhos, e tenho estudado muito Portugal e suas regiões. E, tendo em vista as poucas perspectivas culturais que o Brasil oferece neste momento, estou pensando com carinho sim ser um morador do Bairro Alto ou redondezas (risos).


Para finalizar, uma mensagem especial para os seus fãs e leitores do Quinto Canal

Estamos passamos por momentos de introspecção, e ao mesmo tempo, de possibilidades de aprendizado, de empatia e de compreender o outro. Pode ser uma grande oportunidade de crescimento. Vamos aproveitá-la.

AGRADECIMENTOS: GLOBO PORTUGAL

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