Entrevista – Florbela Queiroz e Natalina José: «Se trabalharmos todos para a mesma coisa e formos um grupo unido com certeza não iremos falhar»

O Quinto Canal traz até si uma entrevista exclusiva com Florbela Queiroz e Natalina José, prestigiadas atrizes do teatro português.


Olha Que Duas é uma revista protagonizada por Florbela Queiroz e Natalina José. O espetáculo tem trinta sessões marcadas para os próximos meses, de norte a sul do país.

A Natalina e a Florbela são atrizes que tiveram o início das suas carreiras marcado pelo teleteatro, pouco tempo após o começo das emissões regulares da RTP. O que de melhor guardam desses tempos?

Natalina: Foi na RTP que comecei a minha carreira, ao contrário do que muita gente pensa. Estreei-me na televisão, e de lá é que me convidaram para o teatro. Fiz Romance da Serra, em 1962.

Florbela: Em 1959/60 fiz uma série na televisão, mas andava no Conservatório e já estava no Teatro Nacional. Fiz Enquanto os Dias Passam, com o João Lourenço e com os maiores atores da cena portuguesa dessa altura, em direto, na RTP do Lumiar, num estúdio onde se passava tudo. Gostei muito de trabalhar no princípio da RTP, porque era direto e eu gostava.

Qual a importância que o humor tem na cultura do nosso país, especialmente num momento difícil como o que estamos a atravessar?

Florbela: O humor faz falta sempre, seja na pandemia ou em qualquer outra circunstância. Mas numa altura como esta faz ainda mais porque as pessoas estão muito fechadas, a pensar em tudo o que não devem pensar. E, portanto, não há nada melhor do que haver alguém a trazer-lhes uma alegria que lhes faça esquecer das grandes preocupações da vida. O humor é fundamental em tudo e em todos os tempos e o teatro faz parte da vida. Uma pessoa sem cultura não existe. O humor passa por todas as gerações e todas as épocas.

A Florbela e a Natalina são conhecidas pelo trabalhos que fazem na comédia, no teatro e na televisão. Durante as vossas carreiras não tiveram momentos em que sentissem necessidade de fazer experimentar papéis dramáticos?

Florbela: Mas eu faço e comecei por aí. Fiz o curso do conservatório e entrei para o Teatro Nacional,  a fazer As Bruxas de Salém, de Miller, um texto de grande qualidade. Drama maior que esse é impossível. Passei para a companhia de teatro do mestre Ribeirinho, que era também alta comédia, drama. Depois é que me estreei na comédia com outro mestre – Henrique Santana. Portanto, a revista foi a última coisa que eu tentei. Nasci no drama e depois fui para a comédia.

Qual é a expetativa que têm da digressão de trinta sessões que farão com este espetáculo, de Norte a Sul do país este ano?

Florbela: Até agora as expetativas são muito boas. Mas o teatro é das coisas menos seguras que existem, tanto pode encher como não. É um trabalho diferente e depende do que nos acontece na estreia. Mas uma coisa é certa: tanto eu, como a Natalina e todos os colegas que estão a ensaiar este espetáculo estamos a fazê-lo com amor e com muito respeito pelas pessoas que pagam o seu bilhete. Se não tivermos bons textos, bom guarda-roupa, bons diretores, bons colegas não iremos a lado nenhum. Se trabalharmos todos para a mesma coisa e formos um grupo unido, nós com certeza não iremos falhar!

Natalina: Para além das grandes expetativas que temos para este espetáculo, queremos já dizer, em primeira mão, que a estreia e o dia seguinte estão esgotados. A duas/três semanas antes da estreia já termos três espetáculos esgotados na mesma terra (Vila Nova da Barquinha) é um incentivo muito grande e um prazer para as nossas carreiras… e eu e a Florbela já fizemos muita coisa juntas.

Olha que Duas é uma revista escrita por Flávio Gil, Renato Pinto e Luís Viegas. Qual a importância que tem o trabalho entre os jovens autores e os artistas experientes?

Natalina: Novos valores são sempre bem-vindos, tanto na escrita como nos palcos. Estes são três jovens que já cá estão há uns anos, mas são novos porque os autores com quem trabalhámos anos e anos já partiram. É importante que apareçam autores que sejam atualizados, porque o mundo muda diariamente, e que tentem tirar a força emocional das coisas para que as pessoas fiquem mais leves e menos preocupadas.

Há pouco tempo, a Florbela esteve em cartaz com a revista Virados do Avesso. Como correram as apresentações na Madeira?

Florbela: Muito bem, foi um êxito enorme para todos nós. Adorámos ir à Madeira e virámos todas as pessoas do avesso. São pessoas extraordinárias, muito bons atores, gente muito inteligente, que nos proporcionaram dias maravilhosos. Foi um trabalho que não foi trabalho, foram umas férias fantásticas com amigos.

Em 2018 estreou o filme Parque Mayer, de António Pedro Vasconcelos, onde a Natalina fez de Alzira. O que guarda de melhor deste filme?

Natalina: Fiz o filme com bastante satisfação porque não conheci o Parque Mayer, pois era passado em 1935. Mas ainda assisti muita coisa que estava lá representada. O filme explicou bem o que se passava naquele tempo, o que se fazia para passar a palavra pois havia a censura. O público ficou a saber o que se passava para que os espetáculos fossem postos em público.

Faz mais de um ano que a Natalina integra o elenco da série Patrões Fora. Como concilia as gravações com o teatro?

Natalina: Deixo um braço de um lado, a perna no outro, a cabeça de outro e quando se encontram é uma festa (risos). Não é fácil mas eu procuro fazer o melhor possível. Na experiência que tenho dá para conciliar uma coisa com outra com método. Tenho o meu método: neste momento estou com o meu cérebro no “Olha que Duas” e amanhã estarei nos “Patrões Fora”. Vou conciliando e acho que não me tenho saído mal.

Florbela: Aquilo que se passa com a Natalina passa-se com todos. Eu, por exemplo, já fiz muitas novelas e ao mesmo tempo estava a fazer comédia. Enquanto estava a fazer a Criada para Todo o Serviço, estava a gravar Passerelle (1988/89, RTP) onde tinha trinta cenas para gravar todos os dias. Além disso, ainda fazíamos rádio. Portanto, é uma questão de hábito e a pessoa estranha quando não há.

Por falar em Patrões Fora, sabe-se que a Florbela recentemente fez uma participação. Como foi receber esse convite de Daniel de Oliveira?

Florbela: Foi um convite como outro qualquer. Noutro dia também fui fazer um programa com o Herman. Não sou só eu, já lá foram muitos atores. Normalmente em cada episódio há um ou dois convidados. Gostei muito de lá ir, mas é difícil. Um cenário que já está montado, que tem determinados atores que já estão rodados e se conhecem uns aos outros e que estão há muitos meses juntos, mesmo conhecendo e sendo amiga de todos não é fácil.

É sabido do quão difícil é a vida dos artistas em Portugal. O que leva a Florbela e a Natalina a continuarem a querer trabalhar e a serem alegres?

Florbela: Porque a gente escolheu a única profissão do mundo onde se pode trabalhar até morrer, porque há personagens até morrer. Podemos fazer avós, bisavós, tias, miúdas, até morrer. E é uma profissão que vicia. Eu se não tiver uma razão para me levantar da cama não me levanto. O palco, as tábuas ou as luzes da televisão são uma adição. Isto faz parte de mim. Sem teatro não me apetece nada, com ele fico viva, divirto-me, brinco e sou feliz. Isso é geral para os atores todos.

Natalina: Trabalharei até sentir que está na altura de parar. Enquanto tiver discernimento e condições físicas. Amo muito o teatro e tudo aquilo que faço, mas se algum dia não puder mais vou dedicar-me a outras coisas.


Rúben Gomes

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