Entrevista – Alessandra Poggi: «Fazer o público refletir sobre temas importantes é o grande serviço à sociedade que a novela presta»
O Quinto Canal traz até si uma entrevista com Alessandra Poggi, autora de Além da Ilusão, novela disponível no Globoplay.
Além da Ilusão é uma telenovela produzida pela TV Globo, com direção artística de Luiz Henrique Rios. Com ação passada nas décadas de 1930 e 1940, a produção tem no seu elenco Larissa Manoela, Rafael Vitti, Danilo Mesquita, entre outros atores.
Sendo formada em Jornalismo pela UFRJ e especializada em Literatura Brasileira pela PUC, qual foi o combustível que levou a Alessandra a entrar no mundo do roteirismo?
Sempre gostei de contar histórias, portanto foi a vontade de as contar. Na época do vestibular para entrar na faculdade, prestei para jornalismo porque era uma maneira de aprender a escrever alguma coisa. Durante a faculdade, fizemos uma matéria sobre cinema em que roteirizei um pequeno curta-metragem e fiquei encantada. Mas aquilo ficou um pouco de lado e eu continuava sem saber como ganhar a vida escrevendo ficção, até que depois da faculdade vi um aviso da oficina de roteiro da Globo, que estava oferecendo um curso para as pessoas aprenderem a escrever novela. E eu pensei “é isso! É assim que eu vou ganhar a vida” (risos). Inscrevi-me e passei. Fiz dois cursos: o primeiro em 1996, no qual não fui aproveitada, pois contrataram uma pessoa só e éramos 12. Quando fiz o segundo em 2000, fui contratada. Foi uma batalha, não foi simples nem fácil, mas concorrido. Comecei primeiro trabalhando em show, com Gente Inocente, mas queria ir para novela e escrever histórias, até que surgiu a oportunidade de escrever Malhação.
Durante seis anos a Alessandra escreveu Malhação que era conhecida por ser direcionada para um público-alvo jovem. Quais são as preocupações e objetivos que se tem ao escrever para essa faixa etária?
Malhação procura retratar a adolescência, que é uma época muito desafiadora, tanto para os filhos, como para os pais. Na verdade, Malhação não era escrita apenas para os adolescentes, mas para a família toda. A missão dela era levar para dentro de casa o debate sobre os temas mais importantes dessa faixa etária – primeira vez, primeiro amor, o que vou ser quando crescer, quem são os meus verdadeiros amigos, bullying, gravidez na adolescência… Tentávamos introduzir todos esses temas para gerar debate nas famílias, conversas entre pais e filhos, para poder superar todos os desafios dessa fase.
Em 2017, a Alessandra tornou-se autora titular com a supersérie Os Dias Eram Assim, em parceria com Angela Chaves. Como descreve o processo de trabalho e o desafio que é escrever com uma outra pessoa?
Escrever uma novela com outra pessoa é completamente diferente de escrever sozinha. Dividimos aplausos e responsabilidades. É saber abrir mão de uma ideia sua, saber aceitar uma ideia do outro, ceder. É diferente, mas ainda assim não deixa de ser um processo muito autoral, porque a sinopse é construída junto, assim como os capítulos.
A história contada por Os Dias Eram Assim se passava na década de 1970, no curso da Ditadura Militar. Crê que a supersérie foi útil para as novas gerações terem contato com um período da história que fustigou milhões de pessoas e para as mais velhas recordarem o que aconteceu?
Com certeza. Sempre digo que a gente precisa lembrar do que aconteceu para não repetir os mesmos erros. E estamos vivendo uma época, especialmente no Brasil, de revisionismo histórico. Como temos muita desinformação e fake news, precisamos ficar atentos para que pessoas mal intencionadas não tentem dar contornos positivos a uma época tão sombria da nossa história.
Enquanto roteirista mulher, que está há mais de vinte anos no mercado audiovisual brasileiro, sente que as mulheres já atingiram um patamar de igualdade com os homens ou ainda há um percurso a fazer?
A teledramaturgia começou com as mulheres, com Gloria Magadan, Janete Clair, Ivani Ribeiro, Glória Perez, mas elas ainda eram minoria nos anos 80. Nos anos 90, isso começou a mudar, e de 2000 para cá vejo uma explosão de nomes femininos escrevendo novelas e séries. E, atualmente, temos Thelma Guedes, Duca Rachid, Elizabeth Jhin, Maria Adelaide Amaral, Licia Manzo, Manuela Dias, Claudia Souto, Rosane Svartman, Thereza Falcão, Izabel de Oliveira, Paula Amaral, Bia Correa do Lago, Maria Helena Nascimento, Maria Camargo, Patrícia Andrade, entre muitas outras. Acho que na Globo a gente já conseguiu atingir esse patamar de igualdade.
As gravações de Além da Ilusão foram iniciadas há cerca de um ano e com estreia em fevereiro, numa fase em que o mundo tinha a vida altamente condicionada pelas contingências pandémicas. Como esse contexto interferiu na tarefa de contar a história de amor de Isadora e Davi?
Justamente por causa da pandemia tive bastante tempo para escrever os capítulos. Quando começou a gravar, já tínhamos uma frente de capítulos imensa. Ela foi sendo feita com uma velocidade maior do que o normal e com antecedência. Antes da pandemia, as novelas começavam a ser gravadas dois meses antes de irem para o ar, e a gente começou a gravar em setembro, para ir ao ar em fevereiro. Já tínhamos uma grande frente de gravação e de texto. Quando chegou janeiro, veio a Omicron, que nos assustou, porque muita gente teve Covid e o protocolo era ficar dez dias em casa. Tivemos muita sorte porque Larissa Manoela não pegou, o que facilitou muito a nossa vida, visto que ela, como protagonista, tinha muitas cenas para gravar. Graças à nossa produção e a essa frente de capítulos, conseguimos estrear na data certa. Após esse susto, de março para a frente, foi voo de cruzeiro.
Entre outras coisas, Além da Ilusão aborda temas como a emancipação feminina, a luta de classes e a saúde mental. Como acha que uma novela pode servir para conscientizar o público sobre os problemas que marcam a sociedade?
Acredito que toda a novela tem essa função social de gerar debates e torcidas sobre temas relevantes, que estão em pauta da sociedade. É importante para um autor não fugir de temas polêmicos e jogar luz sobre eles. Trouxe no universo dos anos 40 temas que naquela época, e ainda hoje, são polêmicos, como os direitos da mulher, racismo, homofobia, saúde mental, abusos contra mulheres, luta de classes, luta contra o fascismo, a propósito da Segunda Guerra Mundial, e do governo de Getúlio Vargas, liberdade e democracia. Fazer o público refletir sobre temas importantes é o grande serviço à sociedade que a novela presta, nós autores não podemos fugir dessa missão.
Uma das histórias contadas em Além da Ilusão é a do padre Tenório Marques, interpretado por Jayme Matarazzo, que por conta do seu amor por uma mulher colocou em causa a sua vocação. Teve algum cuidado especial na abordagem da questão do celibato?
Com certeza. Eu vejo o amor de um homem por uma mulher, seja ele padre ou não, como uma bênção de Deus, mas era preciso tomar muito cuidado porque esse homem havia feito votos que para ele eram considerados muito sagrados. Em primeiro lugar, coloquei-o muito culpado dos sentimentos que tinha, depois com uma autopenitência até despertar, em conversa com outro sacerdote, para o entendimento de que poderia servir a Deus mesmo estando casado. Com isso, ele se afasta da Igreja antes de se declarar para a moça e se mantém fiel aos preceitos religiosos, deixando claro que eles só iriam para a cama depois de casados, porque Tenório era um católico devoto, sendo padre ou não. Fiz questão de respeitar isso.
Além da Ilusão já se encontra disponível para o público português no Globo Play e mais tarde provavelmente será exibida pela Globo Portugal ou SIC. Qual é a expectativa que tem para quem assiste à novela no outro lado do Atlântico?
Estou na torcida para que as pessoas se encantem pela novela e torçam pelos personagens como foi aqui. Tivemos uma grande movimentação nas redes sociais – Twitter, Instagram, Facebook – com pessoas shippando os casais e isso é muito bom. Temos uma novela com mais de um protagonista, vilões interesseiros querendo separar a mocinha do seu amor, um casal separado pela Segunda Guerra Mundial, um núcleo de humor com a família do Constantino (Paulo Betti), Arminda (Caroline Dallarosa) e Julinha (Alexandra Richter), uma fábrica de tecidos, uma vila operária. Todos são ingredientes de um folhetim tradicional embrulhado num pacote colorido dos anos 40. Espero que os portugueses se encantem tanto como os brasileiros.
Pode adiantar-nos alguma coisa sobre projetos futuros?
Acabei de voltar de férias, por isso agora ainda não. Mas pretendo apresentar uma nova sinopse para o horário das 18h. Mas ainda não tenho nada pensado, até porque é um processo bastante demorado de construção de um novo universo.