«Quarteto» estreia-se em dezembro no Centro de Artes de Lisboa
Entrevista a Pedro Bial: «O documentário da Xuxa é uma viagem no tempo»
Responsável por realizar um documentário sobre a Xuxa, o conhecido apresentador Pedro Bial dá-nos a conhecer o seu lado de realizador e fala sobre este seu projeto, que estreia a 13 de julho no Globoplay.
A entrevista apresentada de seguida foi gentilmente cedida pela Globo.
Como surgiu a ideia de fazer uma série documental sobre a Xuxa?
Xuxa me falou que ela estava começando um projeto com a Endemol, mas era um projeto diferente, como se fosse uma apresentação dela, com um show como grand finale comemorando os 60 anos de vida e a carreira. E eu falei para ela que acho que era o momento de uma série biográfica. Temos uma relação muito afetuosa, desde 1987, quando nos conhecemos. A vida nos separou, uniu, essas coisas, mas cada vez mais nosso afeto foi se consolidando. A Xuxa é uma pessoa muito amorosa, muito intensa nos afetos dela. Então surgiu essa oportunidade. O projeto inicial era grandioso, mas que não se pretendia algo biográfico. E foi a partir da nossa amizade, e da confiança que ela teve em contar os detalhes, inclusive os mais difíceis, que me propus a juntar a nossa equipe à Endemol para essa coprodução.
A Xuxa é um Ícone Pop. Qual é a relevância de falar sobre a Xuxa sem barreiras, mostrando a fundo os principais momentos da vida profissional e pessoal?
Eu diria que a Xuxa é o maior astro pop que o Brasil já produziu. Ela não é apenas uma cantora, apesar de estar entre as cantoras que mais venderam álbuns no país e fora dele; ela não é apenas uma atriz, apesar de ter feito filmes de grande sucesso. Ela não é uma artista dentro das categorias clássicas das artes. Ela é uma apresentadora de TV que transcendeu o próprio lugar e que virou a maior astro pop, virou mais que uma marca, criou toda uma estética, uma linguagem que influenciou gerações e gerações, e acho que ir a fundo em sua trajetória é entender melhor a cultura que é produzida no Brasil; é entender melhor a época que ela representou, ali entre os anos 1980 e 1990, e a transformação dos costumes, da moral, dos progressos, dos retrocessos, a evolução das coisas. Tudo está muito representado de forma exemplar na trajetória dela. Falando da Xuxa, estamos falando de todo o país.
Aparece pouco, na maior parte da série é o entrevistador por trás das câmaras. Por quê?
Eu acho que no documentário, no geral, a presença do entrevistador não se manifesta apenas pela imagem dele, na maior parte das vezes, e nem pela voz. E nesse documentário, em particular, acho que não precisava da imagem ali. É proposital isso, eu queria fazer a mediação mais discreta, e interferir o mínimo possível, e deixar que as dinâmicas dos encontros se dessem a partir dos sentimentos do próprio encontro. Eu estava ali mais como um propiciador de oportunidades. Uma vez que essas oportunidades eram dadas, eu ficava apenas observando, e uma vez ou outra interferia para direcionar algo.
Como se deu a construção da narrativa de cada episódio? Participou também, de alguma forma, do roteiro?
O roteiro do documentário se realiza em etapas diferentes. Primeiro um roteiro de situações propostas, e depois um roteiro narrativo, que na verdade só se concretiza mesmo na ilha de edição, durante a montagem. Eu acompanhei todas as etapas, e o roteiro primordial foi da Camila Appel, que continuou acompanhando todo o processo, e também com a participação da codiretora Cassia Dian. Monica Almeida esteve envolvida na edição, e esta etapa é também uma maneira de roteirizar, já que a partir dos roteiros originais que preveem as sequências, a edição organiza a narrativa. Então existiu todo esse processo.
Para os episódios, houve uma postura cronológica, mas não apenas. Houve também uma associação de temas dentro da cronologia. Então a ordem dos episódios e os conteúdos se deram sobre a base cronológica com liberdades e licenças temáticas.
Quais foram os maiores desafios enfrentados durante o processo de criação?
Como em todo processo de criação de uma história real, os desafios são os critérios utilizados para a escolha dos episódios a serem explorados diante de tantas situações, momentos e características do personagem central, neste caso a Xuxa. Os critérios dos “sins”, “nãos”, porque esse e porque não aquele, na maior parte das vezes, justifica-se pelos seus significados. Procuramos o que tinha maior capacidade de ficar além das aparências; de expor o que não imediatamente estava compreensível, e que hoje já pode ser possível compreender. Trata-se de uma história surpreendente, porque a Xuxa, que é a imagem da alegria e da vitalidade, que busca levantar o astral das pessoas, caminha, em alguns momentos, de maneira extremamente melancólica; trágica. É muito triste, às vezes, como se dá a solidão de uma estrela. Então, este é um exemplo do uso como critério, aquilo que permitisse ao espectador enxergar além do meramente, fazê-lo sentir o que os olhos não podem ver.
Como foi o envolvimento da Xuxa em todo o processo de criação e produção?
Fiz questão de combinar algumas bases e princípios com a Xuxa, que coincidiram de serem muito semelhantes, às vezes os mesmos com o que ela propôs, como enfrentar de cara os momentos mais difíceis, as questões mais conflituosas, e como a Xuxa respeita muito o trabalho dos outros, depois disso ela confiou muito na minha condução e no trabalho da equipe. Tenho grande cuidado com ela como pessoa, e acho que isso me foi reconhecido em forma de confiança. Então foi uma troca dessa forma, com bastante confiança.
Fica claro que a série procura abordar em detalhes os principais acontecimentos da trajetória de Xuxa, em que muitas coisas aconteceram. O que não poderia deixar de ser contado?
Não poderia deixar de ser contado tudo o que não poderia deixar de ser reconhecido pelos espectadores de ontem, de hoje e de amanhã. O brasileiro não tem uma relação necessariamente generosa com seus grandes heróis e ídolos. Então não podia deixar de contar a grandeza dessa mulher que é uma estrela nacional e internacional, um caso incomparável. Nunca houve uma história como a da Xuxa. E ao mesmo tempo só poderia ter ocorrido no Brasil. Isso tudo tinha que ficar claro, como expressão da nossa cultura, e como importante que a gente reconheça isso.
É conhecido de Xuxa de longa data. Após o mergulho na vida da artista, a sua percepção sobre ela mudou? Como a via antes e como a vê agora?
Não mudou, mas acho que se aprofundou à medida que fomos nos aprofundando na vida, na cabeça e no coração dela. E acredito que isso coincidiu de Xuxa estar envelhecendo muito bem; de ela ter virado a chave de tantas vidas passadas para a vida presente; de ela ter se tornado mais consciente, e com isso mais generosa do que sempre foi. Mas ela era presa numa gaiola de ouro durante um tempo, e agora ela se libertou. Então, o processo de envelhecimento foi também o de libertação da Xuxa; de estar se tornando uma mulher com todos os atributos que ela sempre teve, mas sem regulação, sem ninguém dizendo o que ela pode ou não fazer, e hoje ela pode tudo, e ajuda muita gente. Ela está sempre antenada nas questões habituais, não deixa de se atualizar, e é curioso pensar nisso porque no fundo, então, ela envelheceu bem porque não envelheceu, ela rejuvenesceu, na verdade, se você pensar em espírito e intelecto. Então, o tempo não mudou minha percepção, mas aumentou minha admiração e fortaleceu o meu amor.
Como descreveria o documentário?
Uma viagem no tempo; uma obra que se dedica a apresentar, de forma acessível, a totalidade de uma pessoa muito grande. É para se emocionar, para rir, para matar a saudade, para entender melhor o Brasil.
O que o público pode esperar dessa série documental?
O público pode esperar uma obra de grande capricho, qualidade, calor, afeto, emoção e inteligência.