Em Entrevista – Isabel Medina
Apaixonada desde cedo pelo mundo do espetáculo e da representação, tem desempenhado, ao longo dos últimos anos, um percurso admirável como atriz e encenadora. Formada em filologia germânica, frequentou também a escola superior de teatro e cinema. Foi numa entrevista exclusiva ao Quinto Canal que falou apaixonadamente sobre os projetos que abraçou, quer em teatro, cinema ou televisão. Recentemente afastada da novela Louco Amor, diz ter já ideias pensadas para o futuro, que passa também pela RTP1 e TVI.
Não pode perder, a partir de agora, a conversa exclusiva com… Isabel Medina!
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I
Tem duas licenciaturas em áreas completamente distintas. O que a motivou a estudar filosofia e teatro?
Primeiro, vou só desfazer um equívoco: tenho mestrado em Filologia Germânica e não Filosofia, tenho a licenciatura do ISPA e a da Escola Superior de Teatro e Cinema.
Porquê?
Sempre fui muito curiosa, desde criança, queria saber tudo. Mas a atriz acompanhou sempre todos os meus outros planos de saber tudo o que havia para saber (era nova e tinha a vida toda à minha frente!). No entanto, sou de uma família tradicional e conservadora, que nunca veria com bons olhos eu ser atriz. Para falar verdade, ralava-me pouco com a opinião da família (fui sempre muito rebelde). Mas existia um problema: a minha mãe ficou viúva novíssima e eu sabia que se eu não fosse “Dra.”, seria ela a vítima dos preconceitos da família, e acusada de não ter mão em mim. Como a adorava, prometi que só seria atriz depois de um doutoramento. Não cheguei a fazer o doutoramento porque fiz dois cursos, um mestrado, e ainda fui para Londres fazer escrita criativa para cinema e televisão. Só aos 26 anos entrei finalmente na Escola Superior de Cinema e Teatro. Profissionalizei-me aos 30, tendo recebido logo um prémio de atriz revelação. E aí fui sempre conciliando várias atividades de que gosto muito. Apenas há 10 anos decidi ser atriz a tempo inteiro! Mesmo assim continuo a fazer outras coisas porque o conhecimento e o prazer de saber continuam a marcar a minha personalidade.
II
Prefere cinema, televisão ou teatro?
Todos! São meios diferentes, que requerem técnicas diferentes e formas diferentes de chegar àquilo que interessa, que é a verdade das personagens. Claro que o Teatro é o que dá mais adrenalina e prazer imediato, porque estamos frente a pessoas, damos e recebemos, e nenhuma noite é igual! Mas tanto o cinema como a TV têm muito encanto. Afinal, tudo se resume a gostarmos muito das nossas profissões! E eu amo a minha!
Em 17 anos participou em 50 peças de teatro e ganhou vários prémios. Qual é o sentimento depois de todo o reconhecimento que dão ao seu trabalho?
O reconhecimento pelo nosso trabalho é sempre uma coisa que nos aquece o coração. Arriscando-me a parecer uma “cota” a falar, tenho muito orgulho nos prémios que recebi porque eram realmente isentos de qualquer componente de fama ou de mediatismo. Agora há muita tendência a tornar famosos quem casa e descasa, escândalos, sangue, suor e lágrimas! E isso reflete-se muitas vezes na escolha de atores, alguns que nem preparação têm. Mas claro que os tempos mudam, até já vou a eventos com o meu neto e divirto-me imenso nas festas!
Mas o que mais me sensibiliza são as pessoas na rua quando nos elogiam o trabalho e percebemos que estão a ser sinceras. O melhor elogio que recebi foi de uma senhora que tinha visto a peça A Rainha D. Amélia comigo a protagonista e que, passados dois ou três anos, me encontra na rua e me dá um grande abraço de parabéns dizendo que nunca iria esquecer a minha “rainha”. O Teatro é tão efémero que alguém guardar na memória o nosso trabalho é lindo!
Tem também uma carreira já consagrada como encenadora. Se tivesse de optar, escolhia estar atrás ou à frente do palco?
Mais uma vez, a resposta é: as duas. Deve ser esta minha curiosidade incansável por conhecer melhor as pessoas, o mundo, a vida. Dirigir e encenar é deslumbrante na relação com os atores com quem se trabalha, que estão frágeis e inseguros, que se dão por completo, acreditando em nós, fazendo-nos querer tirar o melhor deles, numa entrega mútua de energias e afetos. Ser atriz é estar no outro lado desta relação, é ter a humildade de ouvir, dar, aceitar, expor-se por dentro, entregar-se, confiar, e… trabalhar, trabalhar, trabalhar…
Em maio passado estreou a peça Vânia, era já um sonho antigo?
Um sonho antigo, desde o tempo da Escola de Teatro. Tchekov é genial, o Vânia é uma sinfonia de conhecimento da nossa condição humana, acompanhada de humor, ternura e emoção. E sempre achei que em Portugal Tchekov nunca fora compreendido. Li milhares de cartas que ele escreveu durante a sua vida, li as críticas que fazia a todas as produções e decidi que gostaria que ele se sentisse feliz com o espetáculo. Espero ter conseguido!
Nos últimos tempos tem feito também direção de atores em televisão. Sente-se realizada por poder partilhar os seus conhecimentos com os futuros atores do nosso país?
Essa é outra das vertentes do meu trabalho, desde há muitos anos. Dou aulas de direção de atores na Lusófona, já o fiz no CET da Universidade Clássica e dirigir para TV é realmente emocionante, sobretudo quando vemos os mais inexperientes ganharem confiança e crescerem como atores.
Tem sido uma presença assídua no pequeno ecrã. Gosta de trabalhar o registo da telenovela?
Que a telenovela é uma grande escola para os atores já se tornou um lugar-comum, mas é verdade. Na TV, não há tempo para ensaiar. Temos de trabalhar muito a personagem antes de as gravações iniciarem, e ela já estar tão dentro de nós que depois é apenas ouvir e reagir, que é a essência da representação, e que parecendo tão fácil, não o é. Mas essa é a magia deste meio.
Em televisão qual foi o projeto que mais a marcou?
Sem dúvida O Pai de Strindberg para a RTP, com o Vitor Norte e a Fernanda Lapa entre outros e que devia ter sido mais visto e acarinhado, mas que se perdeu com a falta de divulgação e hora tardia. A realização era do Luis Filipe Costa e continua a ser uma pequena obra-prima.
O seu filho seguiu também a carreira de ator, sempre o incentivou nesta escolha ou preferia que tivesse optado por outra carreira?
O meu filho seguiu a carreira de ator e de guionista, tal como eu! E contra tudo o que eu queria porque esta é uma profissão altamente precária. Mas compreendo-o, já que eu própria tive de lutar muito para seguir a carreira que desejava. Descobri que ele era um ótimo argumentista e guionista, já ele tinha entrado nessa área sem me dizer, e fiquei bem triste por nunca o ter chamado para trabalhar comigo… Porque quem perdeu fui eu! Como ator, a sua carreira tem sido mais lenta, mas tem feito bastantes participações e espero que consiga singrar.
III
O que significa para si o projeto Escola de Mulheres?
Depois de ter fundado o Teatro do Século e ter trabalhado no Teatro Nacional, na Comuna e com vários encenadores, achei que era altura (1995) de ter uma Companhia de Teatro dirigida por mulheres. Para isso desafiei a Cucha Carvalheiro que juntou ao grupo a Cristina Carvalhal e a Fernanda Lapa. Foi uma época de muito sucesso para a Escola de Mulheres e a altura em que deixou a sua marca no panorama teatral português. A partir daí, com pouco apoio, mas com muita vontade, fomos construindo um currículo de grandes textos e espetáculos, saíram e entraram pessoas da direção, mas o conceito e os objetivos da Companhia permaneceram sempre. Julgo que ocupamos já um lugar importante e significativo na divulgação de dramaturgia feminina contemporânea e de textos cuja temática e personagens femininas sejam preponderantes.
Hoje em dia assistimos a uma proliferação de atores jovens que querem fazer carreira em televisão. A que se deve este papel secundário que o cinema e o teatro assumiram?
Não me parece nada disso. Antes pelo contrário. O Teatro está a ter afluência de público como há muito tempo não havia e o cinema português prolifera com novos realizadores notáveis, centenas de curta metragens interessantíssimas, etc. Os jovens atores de que fala, devem ser jovens deslumbrados com a fama que a TV trás e que desaparece como aparece. Tantos e tantos jovens de quem já ninguém se lembra e que foram “famosos” numa novela ou duas. O poder imediato da TV é que os fascina, não o prazer visceral de representar que acontece com os atores de verdade, que tanto fazem curtas sem remuneração como se atiram ao Teatro quase pagando para o fazer, porque é como respirar, não se consegue viver sem atuar. O cinema e o teatro vão buscar profissionais que não vivem da fama, mas do amor pela representação. E no Teatro então, em que ter técnica, voz, respiração, são fundamentais, é óbvio que não se compadece com uma cara bonita que não se ouve a partir da 1ª fila.
Vários atores portugueses têm seguido carreiras internacionais. Gostava de ter feito algo fora do país?
No início da minha carreira trabalhei para a BBC, onde estava a fazer o curso de escrita criativa para cinema e teatro. Como sou bilingue, poderia ter continuado, mas sou incapaz de viver longe de Portugal e da família e não queria sacrificar o meu filho, abandonando os amigos para ir para um colégio em Londres. Carreira internacional tem-se agora, com mais facilidade. As passagens são baratas, há muita oferta de Escolas de formação, as distâncias já não se sentem. Nos meus 28 anos tudo era diferente.
Como vê o futuro da ficção nacional?
Como disse antes, o argumento é a base de tudo. Apesar da crise, pode fazer-se boa ficção, mas os canais têm de arriscar em novos guionistas. Basta ir a um Festival de Curtas para perceber o potencial que existe por aí, as boas ideias, os bons diálogos. Porque é que a TV insiste nos mesmos? Saí da escrita para me renovar, ter mais mundo, conhecer o que se faz lá fora (e também para me dedicar a ser atriz a 100%…). Não se pode estar constantemente a escrever sob pressão e por encomenda. É preciso renovar. Mas está no nosso sangue sermos muito retrógrados e cheios de medo do que é novo. Pena!
Pode revelar um pouco dos seus próximos projetos?
Escrever uma peça, encenar ou entrar como atriz noutra, entrar numa série da RTP, voltar à TVI para o ano, continuar a colaborar com a Sociedade Portuguesa de Autores que cada vez está mais forte e defensora dos direitos de autor.
Uma mensagem para os leitores do Quinto Canal!
Amem as Artes e os vossos atores. Nós só existimos para vocês, a nossa profissão não faria sentido sem todos vós. Obrigada pelo carinho que sempre me demonstraram e gostaria de nunca vos desiludir! Abracem a vida! Como dizia o nosso muito querido Raul: “Façam o favor de ser felizes”
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Obrigado e muita sorte para o futuro!