Só Séries: «The Handmaid’s Tale»: Sociedade utópica ou nem por isso?

Demorei mas finalmente vi esta premiada série. The Handmaid’s Tale é um retrato bruto do que seria uma sociedade regida por normas religiosas e machistas e tem uma qualidade soberba, o que justifica as críticas tão positivas que tem recebido.

Inspirada no livro homónimo, de Bruce Miller, The Handmaid’s Tale situa-se numa sociedade utópica não muito distante, onde a fraca natalidade e a morte prematura de centenas de bebés começaram a provocar o caos. Doenças sexualmente transmissíveis e a poluição foram os motivos porque a natalidade teve este decréscimo repentino. Como consequência, o governo cristão totalitário conhecido como Gilead tomou poder, após ter despoletado uma nova guerra civil americana.

As Handmaids são um grupo de mulher férteis que foram capturadas e subjugadas à vontade dos governantes para procriar com os homens elite deste novo governo. De acordo com várias normas, elas são violadas mensalmente por o dono da casa a que são designadas para garantir a continuidade da humanidade.


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Assim que este novo sistema é instaurado, as mulheres perderam todos os seus direitos e foram reduzidas a seis classes sociais: Handmaids (que usam vermelho), Wives (que vestem azul), Marthas  (empregadas domésticas que usam verde), Econowives (que usam cinzento), Aunts (que treinam as Handmaids e usam castanho) e Jezebels (prostitutas em bordeis clandestinos). No poder estão os homens, que controlam todos os aspetos da nova sociedade e procuram implementar este sistema no resto do mundo, que enfrenta os mesmos problemas de infertilidade.

https://www.youtube.com/watch?v=PJTonrzXTJs

Neste contexto ficamos a conhecer June (Elisabeth Moss), uma empresária que procurava fugir para o Canadá quando foi capturada pelo Gilead e treinada para ser Handmaid. É mais tarde atribuída à casa de Fred Waterford (Joseph Fiennes) e a sua mulher Serena Joy (Yvonne Strahovski) e é lhe dado o nome de Offred – de Fred.  Apesar de subjugada, June não desiste de tentar fugir e encontrar a sua filha, ao mesmo tempo que vamos percebendo melhor esta personagem através dos constantes flashbacks apresentados.

Como disse logo no primeiro parágrafo, The Handmaid’s Tale é um retrato bruto desta nova sociedade. Não existe quase qualquer tabu no que toca a cenas de violência física e psicológica, apesar de o gore ser deixado de parte em grande parte das cenas. A realização desta série está num patamar superior e não há palavras que consigam descrever a genialidade dos planos com os quais somos prendados. Existe uma beleza artística nos planos da série, quase como que se algumas cenas parecessem quadros. As poses, os ângulos da camara, é tudo calculado ao ínfimo pormenor.

Qualidade da realização, elenco e banda sonora é excelente

O elenco foi bem escolhido e Moss tem aqui a atuação da vida dela. A exigência emocional para representar aquelas personagens é de tal forma grande que seria arriscado algum ator não corresponder às expetativas. Mas no geral todos os atores conseguem prestações incríveis e bastante realistas. Aliado à brilhante realização e elenco está uma igualmente genial banda sonora. Uma das minhas cenas favoritas está no vídeo em baixo e prova porque The Handmaid’s Tale está num nível superior a muitas outras séries no panorama televisivo atual.

Mas onde The Handmaid’s Tale realmente se destaca é na temática da sua história. O timing para ser lançada não poderia ser melhor uma vez que a sociedade americana está a sofrer nas mãos de Trump e dos seus ideais. Como mulher, vejo esta série como um grito daquilo que não se pode fazer à nossa sociedade mas ao mesmo tempo tenho receio porque sei que já estivemos mais longe de ser subjugadas ao poder patriarcal.

A ideia de que o único propósito das mulheres é a procriação é de tal forma arcaica que me revolta. Ver na série aquelas mulheres a gradualmente perderem os seus direitos para satisfazer o bem maior é tão aterrador. Ao mesmo tempo é tão real. pois quantas não são as mulheres que vivem numa sociedade assim? E apesar de todos estes anos de luta por melhores direitos civis, ainda muito tem que ser feito para que as mulheres e outros géneros tenham os mesmos direitos que os homens.

Inês Calhias

Licenciada em Ciências da Comunicação pela Escola Superior de Educação e Comunicação da Universidade do Algarve, desde cedo adquiri um enorme interesse por séries. Tento ver um pouco de tudo e apresentar aqui no Quinto Canal o que se passa no panorama televisivo.

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