Só Séries: A singularidade de «Fringe»

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Fringe
é sem dúvida um dos melhores exemplos que se pode aplicar à famosa frase de Fernando Pessoa: «Primeiro estranha-se, depois entranha-se…»! Admito que demorei para conseguir assimilar toda a ficção científica envolvente, que incluía cenas fortes e macabras capaz de mexer com as susceptibilidades dos telespectadores, mas ultrapassada essa barreira foi sem dúvida uma das melhores surpresas dos últimos anos. Seguindo uma premissa que abordava eventos científicos misteriosos e pretendendo ser apenas um género mais policial, os criadores conseguiram se aperceber de todas as potencialidades que a série lhes estava a dar e sem dúvida que havia muito para contar. E o caminho que tomaram foi sem dúvida genial. Tomaram algo que era superficial e calculista e acrescentaram o sentimento a toda a ação. E desde então Fringe deixou de ser apenas entretenimento dando aos fãs todos os pormenores, nuances e ligações entre vários elementos da série e deu a cada personagem uma história, emoções que se tornavam cada vez mais evidentes nas suas atitudes.

Se Lost brindava os espectadores com vários pormenores que aluziam a outros episódios, personagens ou mesmo temporadas, Fringe seguiu essa regra ao máximo e quem quisesse tinha «trabalho de casa» ao investigar o que estava por detrás de tudo aquilo que era visível ao olho. E a verdade é que esteve sempre lá a questão mais pertinente da série e que se viu resolvida com este final: afinal quem são os Observers? (Caso nunca se tenham apercebido, na intro existe um flash de luz após uma sequência de palavras e nesse milésimo de segundo aparece a frase: Observers are here). E quem nunca se perguntou o que significaram os símbolos inscritos nos animais durante a intro ou a sucessão de palavras que os acompanhavam? Ou o porque de haver intros diferentes e tão peculiares? E até mesmo os vários frames com símbolos que iam interrompendo a sequencia do episódio? Eram palavras, dicas para o espectador perceber toda a mística de cada episódio. Estas são apenas algumas das curiosidades que elevavam Fringe a um patamar quase de culto e estudo e não de apenas entretenimento.

Ultrapassado o obstáculo de ser algo meramente cientifico tornou-se necessário trabalhar o aspeto emocional das personagens e não foi um processo cujos resultados fossem logo percetíveis. John Noble (Walter Bishop) foi sem dúvida o único que teve sempre uma performance igual e acima da média. O público que abominava o cientista pelas atrocidades que cometeu em nome da profissão passou a adorá-lo e a ter por ele uma maior compreensão e carinho. Teve sempre nos seus ombros a responsabilidade emocional da série e rendeu não só muitas lágrimas como muitos risos. Os outros atores conseguiram aos poucos atingir um grau emocional muito elevado e alcançaram o que era necessário para transmitir toda a carga sentimental das personagens. Anna Torv (Olivia Dunham) impressionou tudo e todos com a sua magnífica interpretação de uma outra personagem da série. Joshua Jackson (Peter Bishop) passou de menino revoltado a herói da história. Jasika Nicole (Astrid Farnsworth) conseguiu sempre proporcionar momentos divertidos e impressionou com a sua interpretação da sua versão alternativa. E até mesmo Blair Brown (Nina Sharp) e Lance Reddick (Phillip Broyles) alcançaram um lugar especial na atenção dos espectadores.

Como todas as aventuras têm um fim, Fringe encontrou o seu. Desta vez não caí na desgraça que foi o final de Lost e mantive-me à toa de qualquer especulação e spoiler para manter a espectativa em alta. E tive reações muito distintas. Para já por estar à espera de mais surpresas, que acabaram por não acontecer. Depois por responder a quase todas as perguntas que ainda existiam e encerrar em beleza toda a saga dos protagonistas. É um dos finais mais reconfortantes que vi nos últimos tempos. A esta altura estarão a perguntar se é muito piegas e faz chorar os mais sensíveis. Chorar? Isso é para os fracos! Se vocês são realmente fãs da série vão verter lágrimas a uma velocidade estonteante (que é bem mais que apenas chorar) porque existe um senhor chamado John Noble que é um ator de um patamar muito elevado. O discurso de Walter foi forte e quando finalmente chamou a Astrid pelo seu próprio nome soube que estava tudo encaminhado para o destino da personagem. É no fundo o seu destino que é abordado em toda a série: o homem que tinha a missão de salvar o seu filho Peter (sob as ordens de September: «The boy must live») e que acabou por não ser a criança em questão. Mas ao salvar o seu filho Walter salvou-se a ele próprio da destruição física e mental e conseguiu encontrar a sua humanidade nos recantos negros do seu génio científico. E quando realmente tem que empenhar a missão de salvar o tal rapaz que tinha que viver, a sua jornada pessoal está completa e ele está pronto a cumprir o seu destino. É simplesmente brilhante.

Apesar de todas as características que colocam Fringe num nível superior a muitas das produções atuais, o facto de a sua exibição ter sido remetida para as sextas-feiras à noite, horário esse que significa muitas vezes o término da produção, consequência de uma quebra enorme nas audiências, foi sem dúvida o momento que ditou o fim próximo desta série. Li num blog vários comentários de pessoas que não simpatizaram com esta produção a dizer que daqui a uns anos ninguém falaria mais desta série. Discordo totalmente. Enquanto existir alguém, uma única pessoa que se lembre, Fringe perdurará no tempo e será ponto de comparação para as futuras séries do género. Não só porque é brilhante, emotiva e única, mas principalmente, e faço minhas as palavras de Walter, «because it’s cool»!

Inês Calhias

Licenciada em Ciências da Comunicação pela Escola Superior de Educação e Comunicação da Universidade do Algarve, desde cedo adquiri um enorme interesse por séries. Tento ver um pouco de tudo e apresentar aqui no Quinto Canal o que se passa no panorama televisivo.

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